quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Pacto expresso

Tarefa:

1. Patrícia vai passear com o Max, filmar o passeio e editar um vídeo sem trilha sonora.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Desabafo II

Querido Diário,

Preciso abrir meu coração, espero que o tédio não impeça vocês de lerem até o fim pois tudo o que eu tenho para falar é chato! Tenho 23 anos e minha vida não está indo bem como planejei, sou uma pessoa de teatro que não se sustenta fazendo teatro. Meu futuro me violenta porque eu não tenho uma religião para me apegar, acho evangélicos, católicos, budistas e cabalistas cafonas. Eu sei que se eu morrer acabou. Também não estou apaixonada, quando se está amando as coisas são mais bonitas, mais vibrantes, mesmo que por um instante, mas eu não estou amando, e eu queria que me coração acelerasse por alguém, eu queria dividir o meu tédio com alguém. Fora isso eu não me acho uma pessoa boa o suficiente, eu queria ser mais paciente, eu queria sim ter uma religião, mas queria que fosse algo natural, queria ser menos vaidosa, queria ser menos competitiva, queria ter ligado mais para minha avó e não ter esperado ela estar numa cama de um hospital para fazer isso, queria viver de teatro, queria ter uma sede como a Cia. Armazém, queria sempre ter uma coisa boa para fazer nos finais de semana, queria levar mais o Max para passear, ele gosta tanto. Queria acreditar nas pessoas que fazem votos na virada do ano e usam roupas brancas. Mas eu continuo achando tudo isso boring!

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

desabafo.


caros parceiros de violência,

eu preciso abrir o meu coração com vocês... eu não tenho gostado de ler o nosso blog, tenho achado ele bem chato, não consigo ler os textos até o final, acredito que sem querer criamos uma linguagem poética demais, pessoal demais e boring. mas isso é um problema?! talvez não, só quero dividir isso com vocês. tô sendo chato, eu sei... a gente podia se reunir, trocar uma idéia, sei lá...

beijos nada violentos
diogo

Querido diário,


Vou resolver isso de outra forma. Na presença de outras pessoas, em outro tempo. O peso argentino está barato e me disseram que lá tem uma balada chamada "el teatro". Vou interpretar uma noite dessas. Da ordem dos super conselhos: você deveria andar mais de patins. Nua, completamente nua. A casa está uma bagunça. Precisamos.

Fotógrafo: Ryan McGinley
http://www.ryanmcginley.com

Breve apresentação do projeto:

O projeto é uma videoinstalação, realizada a partir da experiência cênica de atores e imagens gravadas, que tem como tema básico a violência. Sabendo da amplitude do tema, “Violenta” limita sua área de atuação e criação no estado de pós-violência, ou seja, como as pessoas comuns são impactadas de maneira particular pelas inúmeras formas de agressão cotidiana, da mais brutal a mais sutil.

O projeto fala de um processo interior gerado por um estado violentado e não na exteriorização dele nem de seu motivador. Tocando em questões pertinentes a vida contemporânea, “Violenta” reflete a imposição que nos é feita na direção do silêncio. Apesar de sermos vítimas permanentes, nos omitimos em nosso direito de voz e veto. Caminhamos camuflando nossas feridas e apesar de procurarmos superar esta sensação, continuamos distantes da paz.


A estrutura do projeto abre espaço pra diferentes visões sobre o mesmo tema. Serão extraídos os pontos de vista dos atores, dos VJ`s e mais tarde, o do público, que toma o lugar dos atores. Neste momento, o público assume o lugar de observador da violência retratada neste ambiente, entre quatro paredes, através da projeção dos vídeos produzidos. Violenta se completa em sua última etapa, pois concretiza a impossibilidade de fuga, sensação que a violência nos transmite em suas mais variadas derivações. Estamos imersos em uma situação para a qual não se vê saída. Violenta propõe uma simulação destes sentimentos através da construção de imagens demonstrativas de nosso estado violentado. As projeções funcionam como espelho desta situação. São confissões e os participantes, por sua vez, testemunhas.


Violenta se propõe a servir como reflexão para buscar uma saída.

Para entrar em Violenta é preciso estar aberto ao diálogo. As nossas feridas sangram, mas a dor que lateja dentro de nós é da incompreensão.


domingo, 27 de dezembro de 2009

Eu não teria feito...

Justamente porque eu faço. Não dá mais para passar uma vida inteira se desculpando pelo o que não se fez. Não vem com esse papo outra vez, por favor. Ninguém merece.

Se o tempo fosse outro ele não seria tempo, ele seria ilusão. É tão difícil assim acordar e se olhar no espelho e reconhecer o vazio? Vazio é bom. Nele a gente pode jogar com tintas. Pisa na direção oposta, por favor. Já que tudo corre contra você, volta, vai vencendo muro e murro e encontra alguma coisa sua que possa valer. Eu não disse feio ou bonito. Também não estou te pedindo sentido, só te peço que sintas. Da próxima vez, não relute, deite em meu colo se jogue em meus braços e nem sequer me deixe implorar. Eu vou gostar. Você vai gostar. Nós vamos gozar [o momento] e será demais. Será o fim.

Eu poderia te dizer mil coisas que agora lhe trariam felicidade. Eu te veria sorrir. E isso me entristeceria, porque felicidade não é muito diferente de choro ou do silêncio. Tudo é pedaço, parte, deste ou de outro: momento.

Da ordem dos super conselhos: CALA ESSA BOCA DE TANTO GRITAR!

Ninguém te ouve? Eu te ouço. Eu estou aqui, me dispus a ler a merda que você escreve, a ouvir o que você lamenta e agora? E agora, porra? Você vai me responder ou vai reproduzir uma cadeia para a solidão que só parece ter fim em você?

O momento chegou. Não se sinta mal. Mas você sequer consegue dizer o que quer dizer. Você está escrevendo errado. Com palavras tortas, métrica errada. Com erros de português, inglês, italiano e francês. Você precisa se cuidar, precisa mesmo regar algo em sua casa. Pare de regar os cabelos e vá regar a cama. Crie nela um mofo imenso que lhe possa lançar para o quintal. E lá se hospede. Há de ser melhor.

Dormir sob o céu. Dormir desprotegido. Dormir junto com os bichos, junto com o mundo, junto com o sinistro, o estranho [unheimlich].
é incrível pensar que o unheimlich (ou o estranho) está tão dentro do universo do heimlich (ou o caseiro), ao ponto que se pode dizer heimlich para dizer unheimlich. Isso pode soar estranho, mas faz todo sentido. Tudo o que é caseiro para quem está de fora desse espaço reservado, é estranho e, por que não, perigoso. E, para quem está seguro em casa, tudo o que não pertence aos seus limites domésticos, é arriscado, não dá tanto pé. (saiba mais neste texto horroroso - assim como o seu - que eu achei no google)

Você pode ser outra. Eu agora estou sendo. Você sabe se tudo o que eu escrevo eu concordo? Você sabe o que eu sinto, sabe o que eu quero? Eu também posso te dizer sem saber. Eu também posso e as merdas são merdas, elas se reconhecem, não podemos tão diferentemente assim ser. É pessoal. É ficção. É tudo desculpa para a nossa condição.

Olha, pára de vez com esse papo. O amor é mais forte. Mas precisa do teu corpo para existir. caralho! Se for o caso, faz que nem sua amiga, se mate, e acabarás com esse amor todo que te faz assim, mole. Lazy. Lembra daquela tarde, quando você me disse, Gentileza gera gentileza que gera gente lesa, eu te completei.

Eu estava certo. Você não é filha da puta, é filha da Gentileza.

Ah, por favor. A ladainha é sua. Quem ouve Maria Gadú é você. Então sofre sozinha ou reconheça que o mundo vai te sofrer. Porque o mundo vai, meu amor, mas ele vai mesmo. O mundo vai te sofrer, te estuprar, cabar c'ocê. Você não fez nada. Mesmo. O seu problema é que você nunca fez.

E agora, Joseca? Eis que Drummond te pergunta: o que hacer?

O euro está caro demais para fugir ao cartão postal. Vais ter que resolver isso no Centro. Ou na esquina de casa.

\\\\


Fotógrafo: Chema Madoz.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Eu teria feito...

se o tempo fosse outro, eu teria feito diferente. Eu não teria pisado na direção oposta à nós dois, não teria começado a encher meus pensamentos de coisas racionais para não te encontrar . Eu teria me jogado nos seus braços todas à vezes que você me emplorou isso , teria aprendido a apreciar o seu lado. E poderia ter falado mil coisas pra te ver sorrir , ao invés de me calar quando você chorada. Eu to calada ainda. E ainda tenho mil coisas à serem ditas , mas ninguem ouve , ou eu não quero que eles ouçam. Eu teria feito com que esse momento não chegasse , e eu não precisasse ficar pensando que eu poderia ter sido outra , no mesmo corpo , mas outra. Eu teria afirmado que o amor é mais forte , por mais que soasse brega. E ainda soa. Eu teria tido tempo para nós dois , trÊs , cinco. Teria tapado meus ouvidos para não ouvir a ladainha dos vizinhos mal amados. Teria te enrolado num leçol , te colocado na mala e te levado comigo até Paris.
Mas eu não fiz nada. E agora peso no que eu teria feito se eu fosse verdade.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Eu teria dito...

Caso alguma coisa não tivesse me calado. Estamos falando sobre amor, sempre, sejamos isso mesmo, bem autoritários. O que ela escreveu, o que eu, você, nós, todos elas, elas, os indefinidos, o que escreveram todos os nomes, todos os artigos, pronomes, pretensos escritores. Tudo foi é e sempre versará sobre o amor. Sobre esta invenção. Sobre este horror.

O amor é alguma coisa que inventamos para amenizar a solidão. É mesmo alguma coisa, porque aceita ser inclusive a indefinição. Pode ser erro, acerto, acaso, passado, pode ser tempo, vento, beijo, desejo. Desejo. Acho que precisamos erguê-lo. Colocar o desejo no alto e instaurar a disputa: amor versus desejo. Desejo vence. Tem que vencer. Muitas vezes falamos que é amor aquilo que é fome, que é puro prazer. Pura sede dos toques, desejo sede do corpo gritando pelo choque! Choque!

Eu teria dito, naquele dia, naquela circunstância, eu teria dito: sério, você é a coisa mais incrível que está acontecendo comigo agora. Não disse. Fiquei quieto. Te olhando. Você perguntou. O que foi. Eu disse nada. Você disse nada. Eu em nada morri. Fiquei quieto, olhando seu rosto, seus olhos, sua cara, fazendo outras mais para tentar dialogar com o meu silêncio. Eu fiquei mudo, tamanha a vontade de te dizer o mundo. Tamanha a minha vontade de dizer vem, eu te seguro. Mas não disse. Eu teria dito,

se já não soubesse que com amor tem que ir devagar. Quem inventa essas coisas? Todos os amigos ao redor dizendo, vai com calma, com calma por quê? Se dentro de mim as coisas se avassalam e se atropelam e nem me deixam sequer entender? Pede-se calma ao desejo? Pede-se calma ao corpo que tem fome, sede, ao corpo carente, ao desapego?

Ele entrei dentro de casa. Estavam as duas no auge de sua prosa romântica. Se conversavam sobre a novela, sobre como crescem as crianças, eu não sei. Cruzei a sala e vinha pingando a chuva que me pegara desprevinido. Elas disseram, você vai molhar o carpete. Você vai pôr dentro de casa um rio. Eu me senti tão mal, confesso. E se eu ali parasse, todo molhado, e dissesse: quero ser rio. O que elas fariam?

Não soube como proceder. Me disseram de água, de rio, de molhar, quando sequer perceberam que aquilo tudo era eu. Que aquilo tudo eu poderia ser. Eu poderia ser. Eu poderia. Eu teria dito, vocês não percebem? O que vocês comeram, que cheiro é esse, o que aconteceu com o peixe, cadê sua comida? Quando eu vi uma cadeira caída no meio da sala, de ponta cabeça, eu soube imediatamente o que falar: e saí da sala, voltando à rua em chuva.

Na rua. Eu relutei mas sentei eu sentei na calçada encharcada. Eu fiquei parado, a cabeça pesando a cada gota que entre meus cabelos se instalavam. Eu abri os olhos, mirando o chão e pensei: as coisas todas correm, elas seguem toda um rumo. Eu não. Um rumo a seguir. Eu não. Um rumo. Ou nada. Um muro. Ou murro. Alguma coisa que pudesse me indicar um caminho, um fio, exato, a seguir.

Você cruzou a rua. Eu ergui a cabeça. Achei que tinha sido atraído por você que eu desconhecia. A luz do poste, sob a chuva, foi contornando o seu rosto através da rua em movimento. Quando nos vimos, você já não era quem eu queria que você fosse, como o visto naquele primeiro momento. Como o visto naquele primeiro momento em que eu não te vi de verdade, mas apenas a silhueta, apenas um corpo vago para meu desejo ali em mim despejado. Não temos jeito, pensei.

Sou um ser desesperado. E voltei para casa, resfriado.

Breve conquista de um amor talhado

Tantos encontros marcados e remarcados na agenda, tantos todos que não foram riscados e ali estão como mais uma marca de um primeiro encontro de tantos amores talhados e retalalhados em tantos outros. Quando eu te encontrei pela segunda vez nos apresentamos e eu te falei meu nome. Você falou oi, prazer em te conhecer, foi difícil chegar até aqui. Em um novo encontro nos apresentamos novamente. Você falou seu nome e eu disse oi, com uma vontade louca de fugir com você que me consumia como o tempo que passava e nos levava embora aos poucos. eu pedi pra que você não contasse para ninguém, logo eu! Que sempre fui tão independente nas minhas fugas. Talvez quisesse te levar por medo de não saber que você ainda lembraria de mim se eu fugisse sem você. Você apoiou minha vontade. Você me apoiou como se minha vontade fosse uma grande conquista sua. Talvez por não querer que você me apoie e sim queira também assim, tanto quanto eu, parti. Com o seu apoio. Um novo encontro na agenda. Está marcado. Eu estarei vestida de azul em frente ao endereço que você já sabe. Ou talvez não. Eu vou estar lá e novamente não irei riscá-lo se você não aparecer. Tenho certeza que vamos nos encontrar um dia, novamente. No Japão. Em um café no fim da tarde. Me proponha um amor talhado. Deixe que o tempo nos leve e que um dia a gente lembre daquele primeiro encontro, marcado por tantos escritos e manuscritos e uma memória que resistiu a tantas dores e amores. Só não me deixe riscá-lo da minha agenda, isso vai doer uma dor que só eu vou sentir, eu sei que vai, mas sei também o quanto é difícil evitar a dor de um retalho. Sejamos honestos e solidários ao tempo e aos desejos para observar uma nova breve conquista de um amor talhado.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Não tão breve assim...

Apropriação de Breve ilustração.

Quando ele entrou na sala, as duas estavam costurando. Ele queria atenção, elas queriam silêncio. Lá em casa, quando elas resolvem costurar, só pode haver na sala o barulho da costura. Nem grilo ousa grilar. Ninguém fala. A televisão cala a boca. Quando ele entrei na sala, elas franziram a testa. Franziram a linha preta. Ele percebi. Mas queria atenção, então adentrou até o centro da sala. E foi quando elas pararam de pisar no pedal da máquina. E passaram a pisoteá-lo.

Que ele queria entender, queria conversar, estava disposto a sair perdendo, mas queria ao menos tentar ali compreender, o porquê da mudança dos móveis. Mudamos os móveis porque mudar é necessário. Ah, muito bom, isso explica muita coisa. Ele disse sem provocar mas já provocando. Mudamos porque mudar é necessário e quem determina a necessidade, ele perguntei. É o estômago, ele (o estômago) respondeu.

A mesa estava posta desde cedo. Posta no canto da sala. O queijo destampado. As cadeiras de madeira sem os estofados (que estavam todos ao mesmo tempo sendo costurados). Cadeira sem estofado vira cadeira-impraticável. Ninguém tomou café almoçou comeu nada. Enquanto as cadeiras tinham seus estofados costurados, ninguém comeu nada.

Ele fica chato quando está com fome. Elas deveriam saber. Já deveriam saber o passado das mamadeiras atrasadas. Mas dentro de casa às vezes alguma coisa precisa acontecer para lembrarmos quantos somos, como fomos, o que fazemos, porque existimos, porque ela chorava ontem dentro do banheiro. A pia ligada escorrendo uma lágrima maior, infinita. A pia ligada era capaz de sobrepor a outra, aquele rio sem fim tão maior que de dentro dela ia se perder no chão. Por onde eu passei e gritei depois, Porra, deixou água cair no chão. Você é porca!

Ela era triste. Só isso.

Não era porca. Era triste. E ser triste dá essa sensação de sujeira. Porque pior que ser triste é ser triste sozinho, em escondido. Tem que guardar no rosto o choro chorado. Esconder no rosto o choro escorrido.

Quando eu tentei pegar um estofo para a cadeira. Ela costurou minha mão na sua e disse, Espera! Mas eu já estava esperando desde o dia do meu nascimento por alguma coisa. Ela me empurrou contra a parede, eu quase apaguei com as costas a luz fria da sala. Ela puxou a linha preta, engrossou a voz e disse, Me ajuda! Eu não entendi, não sabia se era para costurar, se era para comprar mais linha. Na dúvida, optei por ficar encostado na parede e esperar a almofada ser cosida.

Enquanto isso, dentro, o estômago temia fazer barulho demais. Mais barulho do que as máquinas costuravam. Mais barulho do que a dor de existir. Naquele instante. Naquela nossa casa. Mais uma vez. Sempre até a morte.

Breve ilustração.



Da nossa CASA.

Breve conclusão.

"Depois de tudo o que aconteceu com o Teo, eu comecei a me lembrar daqueles dias da nossa adolescência vendo ali o início do vírus que desencadeou a doença dele, era uma doença da casa.".

Beatriz Bracher em "ANTONIO"

sábado, 12 de dezembro de 2009

sábado, 5 de dezembro de 2009

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

fica AI

Fica aí porque mulher barbada e anão juntos. Fica aí porque "aí" perdeu o acento na reforma ortográfica. Fica aí porque dor de dente. Fica aí porque ferida na boca. Fica aí porque cólica. Fica aí porque praça pública. Fica aí porque cistite e dor nos ovários. Fica aí porque amor mal amado. Fica ai porque amor desamado. Fica ai porque amor desalmado. Fica ai porque saudade que dói no peito. Fica ai porque arrepio daqueles fortes. Fica ai porque celular desligado. Fica ai porque carinho esquecido. Fica ai porque desesperança. Fica ai porque aliança. Fica ai porque rima desrrimada. Fica ai porque unha mal cortada. Fica ai porque controle remoto fora do lugar. Fica ai porque meio da rua. Fica ai porque palavra não dita. Fica ai porque hora marcada. Fica ai porque atraso. Fica ai porque demora. Fica ai porque espera desesperada. Fica ai porque dor nas costas. Fica ai porque meu deus. Fica ai porque choro engasgado. Fica ai porque choro dividido. Fica ai choro soluçado. Fica ai porque teatro. Fica ai porque rotina. Fica ai porque desregrado. Fica ai porque compromisso. Fica ai porque expectativa. Fica ai porque 2 carros. Fica ai porque tarde roxa e violeta. Fica ai porque manhã azul. Fica ai porque vento. fica ai porque calor. Fica ai porque frio. Fica ai porque paz, amor e saúde. fica ai porque parabéns. Fica ai porque almoço as cinco da tarde. Fica ai porque bebedeira ótima. Fica ai porque viagem. Fica ai porque casa da vó. Fica ai porque risada dividida. Fica ai porque piada ruim. Fica ai porque risada desacompanhada. Fica ai porque noite confundida. Fica ai porque confusão e mal entendido. Fica ai porque erro de comunicação. Fica ai porque erro. Fica porque acerto. Fica ai porque anão bonito. Fica ai porque movimento. Fica ai porque 2 gatos. Fica ai porque arroz integral. Fica ai porque microfone desligado. Fica ai porque se todas as coisas fossem iguais....

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Fica aí porque...

Fica aí e vê se consegue tomar uma decisão. Não tem jeito. Todos viram eu e você, tremendo beijo, no meio do salão. Um prédio clássico, abrigando acontecimento de tamanha contemporaneidade. Fica aí parado porque assim você não me mete medo e nem faz do acontecimento segredo. Fica aí, assim, dessa forma porque gosto dela. parecida com a forma que tinha quando lhe conheci. Fica aí porque ainda é difícil aceitar as mudanças por mais que eu saiba que elas são naturais. Fica aí porque você ficando eu consigo me recordar de todos os nossos momentos. Você me beijava e eu girava feito a "girafa gigi" daquele velho conto infantil. Você leu esse livro sobre os animais na escola? Eu li. Fica aí porque sem movimento não há tormento e meu coração pode descansar. Fica porque você ficando eu consigo aceitar. Tudo o que não volta e não pode voltar. No meio da rua, o menino me perguntou se acho que no futuro vamos ficar juntos. Eu disse que não sei, que não penso nisso. Daí ele perguntou de novo: " mas assim, no fundo, no fundo, você não pensa sobre isso?". Bom, no fundo, no fundo, todo mundo pensa. Mas acho que não. Fica então aí porque assim eu posso achar o que eu quiser. O que me me faz conforto e certeza. Fica aí porque você saindo eu vou ter vontade de ir atrás e não posso. Fica aí porque feito fotografia eu gosto de admirar nossos detalhes, todos os que criamos e ainda podemos criar. Eu sei que hoje, a ferida que carrego na boca, é sua. Fica aí porque você ficando eu posso te encontrar e dizer que minha vontade era de te socar por inteiro. Mas é só uma ferida, com a pomada, vai passar. Fica aí porque com você ficando eu me sinto vivo. É verdade. Pois há sempre a nossa história por contar. Fica aí porque você ficando eu tenho a impressão de ter um porto, lugar seguro para onde sempre posso voltar. Fica aí e não diz nada. As palavras, as vezes, complicam tudo. Fica aí e deixa o seu corpo falar. Deixa ele ter essa vontade louca de se atirar, atirando-me. Fica aí e depois me diz qual é a graça de viver momentos como esse. Fica aí porque assim você pode ler e constatar que ainda é adubo para o jardim que um dia criei. Fica aí vendo vida real se transformar em ficção, material para um trabalho em andamento. Fica aí e deixa pra gente todo esse movimento. Deixa para violenta, suas quatro paredes, seus seres pensantes, intrigados com a vida e sua forma bruta de ser e morrer. Fica aí assistindo, vendo a gente criar, pintar e bordar coisas não tão bonitas como nossa foto. Fica porque você ficando eu tenho material para as minhas composições. Porque não duvido de qual música cantar, qual texto falar, para onde caminhar e como sair. Fica aí parado e deixa os registros por minha conta. Deixa que eu conto aos outros, da minha maneira exagerada, prolixa e apaixonada. Fica aí vendo nosso filme passar. Fuma um cigarro, dá um dez, canta uma música, faz uma tatuagem nova, pinta o cabelo, corta as unhas e, por favor, me compra uma coca-cola e uma barra de chocolate.

Lesões incompatíveis com a vida de Angélica Liddell

Aos filhos que não vou ter.
Não quero ter filhos.
Não quero ir mais longe.
Sou uma epidemia de ressentimento.
Não quero ter filhos.
É a minha maneira de protestar. O meu corpo é o meu protesto.
O meu corpo renuncia à fertilidade.
O meu corpo é o meu protesto contra a sociedade, contra a injustiça, contra o linchamento, contra a guerra.
O meu corpo é a crítica e o compromisso com a dor humana.
Quero que o meu corpo seja estéril como o meu sofrimento.
O meu corpo é o meu protesto.
O meu corpo é o meu pessimismo. Graças ao pessimismo posso fazer-me perguntas. Alguém tem de ficar em metade dos homens fazendo-se perguntas, alguém tem de ficar em metade da esperança fazendo-se perguntas. Alguém tem de ficar como um idiota. Alguém tem de ficar como excremento e fracassar definitivamente. A ausência de filhos ajuda-me a ser excremento e a fracassar. Os adultos saltam por cima do meu ventre agitando os seus filhos como bandeiras como se o mal tivesse desaparecido do mundo, como se a inteligência tivesse finalmente triunfado sobre o mundo, como se fossem insígnias de um mundo melhor. Não confio num futuro melhor. As famílias comportam-se com soberba, pensando que a sua prole vai ser diferente, que os seus filhos nunca irão trair como nós fomos traídos, que os seus filhos nunca danarão nem serão danados, que os reveses da vida sem dúvida serão menores e que os seus filhos jamais serão culpados seja do que for.
O meu corpo é o meu protesto contra as grandes esperanças dos pais, contra as grandes pretensões dos pais.
Não quero passar por esse estado de estupidez transitória.
Não quero que o meu ressentimento se interrompa.
Não quero deixar de pensar na injustiça.
Não seria justo para os excluídos que deixasse de pensar na injustiça, que deixasse de condenar os privilegiados.
Porém, não conheci nenhuma criança que se convertesse num bom adulto. As crianças não se convertem em bons adultos. Eu não sou uma boa adulta. A bondade não existe. Sou má, muito má.
Talvez essa seja a razão por que não quero ser mãe.
Talvez a nós, mulheres más, nos aconteça isso, não queremos ser mães.
Nós, as mulheres más, sem instinto maternal, pagamos o tributo de morrer sozinhas, podres, sem alegria, em frente ao televisor, em frente ao espanto, secas, rodeadas de moscas de diferentes tamanhos.
A nós, mulheres más, só nos pode acontecer a morte.
Acho bem.
Fui criança. Mas não me tornei uma boa adulta.
O papel do homem no mundo é absurdo. Navegamos de tara em tara
Quando me imagino a parir apenas consigo ver, assomando entre as minhas pernas, a cabeça grotesca de um monstro já fatigado pela imundície do universo, pelo inefável, pela mesquinhez.
O meu corpo é o meu protesto.
Não quero trazer nada ao mundo excepto o meu profundo horror pelo mundo. Depois dos desastres do século XX apenas posso sentir horror. Depois de tamanha exibição do mal, o homem já não pode redimir-se. Quem pode voltar a amar os homens? Quem pode voltar a cantar em louvor dos homens? Alguém disse que depois dos horrores do século XX não era possível continuar a escrever. A palavra tinha-se tornado absurda, insuficiente. Os filhos são como a palavra, insuficientes. Seria bom para a minha mente aceitar a insuficiência da palavra e do homem. Mas dentro de mim há um qualquer crocodilo que me impede de aceitar isso. Cada vez suporto menos a injustiça, cada vez suporto menos a maldade. O mundo está alicerçado na injustiça e no mal.
Apenas consigo protestar.
O meu corpo é o meu protesto.
Quero morrer sem ninguém, sem deixar nada para trás. É a minha maneira de me unir aos que foram exterminados, aos que sofreram sem limite.
Não quero esperança.
O meu corpo é o meu protesto.
O meu corpo é um exemplo para suicidas, um exemplo para assassinos, um exemplo para todos os que se desprezam a si próprios.
Meu maldito corpo.
Minha decisão anormal.
Chega uma altura em que a sociedade se excita, se impacienta e procria, procria porque sim, procria. Que motivos tem?
Pergunto-me: que motivos tem?
Porém, a minha decisão é anormal.
Perdão pela violência.
A minha violência verbal é a minha luta contra a violência real.
O meu corpo é o meu protesto.
O meu protesto contra os vestidos pré-mãmã.
O meu corpo, voluntariamente estéril, é o meu inconformismo.
O meu corpo é a minha falta de adaptação.
As grandes esperanças dos meus pais destruíram as minhas próprias esperanças.
O meu corpo é o meu protesto contra as grandes esperanças dos meus pais, contra as grandes e estúpidas esperanças do mundo.
O meu corpo é o meu protesto.
O meu corpo é a minha acção.
A minha decisão anormal é a minha acção.
Em resumo, a minha vida é a minha acção.
Só quero ser filha.
Comigo termina a tirania do sangue.
Não quero constituir família.
Nunca acreditaria numa instituição que é fomentada, elogiada, aclamada, inclusivamente premiada pelo poder. Não confio em todos esses governantes que se fazem fotografar com as famílias.
A fotografia de família está sempre em cima das secretárias dos presidentes, em moldura de prata, a moldura é caríssima, a família merece a moldura mais cara, o presidente merece a família mais bonita, mais sorridente, mais feliz e mais cara. A família é o mais importante. A família é o mais importante. Sem família ninguém alcança o poder. O poder e a família, sempre unidos. Repugna-me.
As fotos de família lembram-me os arrepiantes cromos paradisíacos que os padres te mostram ao mesmo tempo que te cospem orações nas orelhas.
A família e o poder.
A família e a religião.
Não posso confiar numa coisa imposta pelo poder. Não posso confiar numa coisa imposta pela religião.
Nem que fosse apenas por esse motivo devíamos negar-nos a ter filhos.
Celine disse: “ Quando alguém ama os grandes da terra, está pronto a ser convertido em carne para canhão. Pelo afecto se começa. Os que estão no alto apenas conseguem pensar no povo por interesse ou por sadismo”
Concordo.
Também disse: “Vivam os loucos e os cobardes!”
Também concordo.
Não me sinto capaz de agradar aos poderosos, aos privilegiados. Se lhes agrado estou a alimentar a obesidade e o conformismo de uma sociedade idiota, delicodoce.
É necessário que haja alguém que não queira ter filhos. É necessário para desestabilizar as consciências. É uma forma de fazer justiça.
O meu corpo é o meu protesto.
É a minha forma de fazer justiça.
O meu corpo é o meu protesto.
Não quero ter filhos.
Quero ser pobre.
Não ter filhos é uma maneira de ser pobre.
Os pobres são essas pessoas cuja morte não interessa a ninguém.
Essa é a morte que eu desejo.
Não quero ter filhos.
É uma forma de ser um pouco mais pobre.
Às vezes penso que não depende de mim.
Estou possessa de uma raiva inidentificável que me obriga a enlamear-me continuamente na dor.
De onde vem essa raiva?
A quem pertence a vontade do enfermo?
O meu corpo é o meu protesto.
O meu corpo protesta contra a minha geração.
A fraude da minha geração.
Criaram uma sociedade classista, orgulhosa, ambiciosa e brilhante
Com o suor das suas testas, brilhante.
Com o suor das suas testas, ambiciosa.
Com o suor das suas testas, orgulhosa.
Com o suor das suas testas, classista.
Apenas procuram a comodidade.
Imitam os pequenos ricos. Dizem o contrário, são muito progressistas, mas comportam-se como qualquer um da classe média.
Codiciosos, complacentes, comodistas, instalados.
Sim, reproduzem-se na comodidade.
E isso debilita as suas mentes.
As suas cabeças estão repletas de comodidade.
Pensam que as suas consciências são correctas, mas não o são. No fundo, a sua correcção é um tópico que lhes permite viver sem qualquer sentimento de culpa.
O meu corpo é o meu protesto.
Sou uma estúpida.
Sou aquela que se equivoca por pretender sentir-se perdedora e ridiculamente heróica. Acuso-me de petulância. Sou petulante por andar ao contrário do mundo. Ainda que talvez faça parte da sua inércia. Não gosto de pensar assim, mas a raiva obriga-me a isso.
Uma pobre ressentida com aspirações artísticas. Eis o que sou.
Não quero salvar-me.
Sou a pior. A pior.
Protesto com o meu corpo.
Sou um caixote de lixo cor-de-rosa.
A imundície da minha carne faz com que qualquer um que se aproxime se torne escrupuloso.
Estou consumida pela verdade.
A guerra envelhece-me
Observo a minha existência como se a minha existência fosse a de uma mosca.
Pertenço à fauna cadavérica.
Em que momento da decomposição apareço?
Há quantos dias está morto o cadáver?
O meu corpo é o protesto pelos cadáveres inocentes.
Não quero ter filhos.
Não quero mais funerais.
Quem é o responsável pela vontade de morrer de uma mulher?
A injustiça coloca espadas na cama da suicida.
Embora o meu coração tenha parado, o sangue continua a fluir pelo meu corpo para continuar a protestar.
O meu corpo é o meu protesto.
O meu corpo é a minha acção.
O meu corpo é a minha obra de arte.
A minha decisão é a minha obra de arte.
Não ter filhos é a minha obra de arte.
Não fazendo filhos, faço arte.
O cheiro a café misturado com o cheiro a peixe faz-me vomitar.
Relaciono esse cheiro com a maternidade.
E ao mesmo tempo relaciono-o com a morte.
E penso: na família tudo acontece no escuro. Não suportaria nem mais uma grama de hipocrisia.
Porque na família amamos mas também somos obrigados a amar.
Este facto origina relações tenebrosas, sem bases, que desembocam em camuflagens dolorosas.
Na família tudo acontece na escuridão.
O meu corpo é o meu protesto
Protesto contra a ausência de paixões.
Protesto contra a fraqueza e a sensatez.
Protesto contra o uso do dinheiro.
As famílias recém-constituídas trabalham para poderem comprar arcas frigoríficas maiores, carros maiores, férias mais caras porém mais insípidas.
As famílias trabalham para não perderem nem uma grama do prestígio social.
As famílias trabalham para não perderem nem uma grama de segurança.
Protesto contra o prestígio social e protesto contra a segurança.
Aqui está o meu corpo protestando, sem filhos.
As famílias trabalham arduamente para parecerem ficarem como os ricos.
Aspiram ao bem-estar total.
Em nome dos seus filhos aspiram ao bem-estar total, quer dizer, ao supérfluo.
Perderam o sentido de bem-estar.
O meu corpo protesta contra o bem-estar.
As famílias trabalham arduamente.
Aspiram à calma total.
Protesto contra a calma.
O meu corpo protesta contra a calma.
O bem-estar, a segurança, a calma.
Tudo o que os alisa.
Nada de paixões. Nada de excessos.
Trabalham para pagar o ginásio.
Para pagar a protecção enquanto trabalham.
Enquanto trabalham para pagar a protecção e o seu eterno descanso.
E o seu eterno sacrifício.
Não posso identificar-me com eles.
Não posso identificar-me com um plano de pensões.
Não.
A minha vida é patética e adolescente.
Sou uma merda.
Mas não quero ser como eles.
Tanto faz. Não é possível fazer marcha atrás.
A minha geração move-se em direcção à estabilidade, ao plano de pensões, ao restaurante caro, ao carrinho cheio de compras, move-se em direcção a um consumo sem limites.
Por detrás das suas carteiras são uma massa flácida e sem forma.
Eu não sei para onde estou a ir.
Em qualquer caso, não ter filhos dá-me força. A minha decisão dá-me força.
A minha geração move-se tanto que não tem tempo para pensar.
Utilizam quatro tópicos para pensar e vão para a cama. Tão seguros, tão estáveis.
O meu corpo protesta contra a estabilidade.
Há demasiados funcionários.
Protesto contra os funcionários.
E os funcionários protestam porque o salário não chega para comprarem um carro mais caro, um queijo mais caro, um restaurante mais caro, uns calçõezinhos mais caros, uma merda mais cara. Protestam para mudar os azulejos das paredes do quarto de banho. Protestam por isso, porque precisam de encher o carrinho de compras até à insuportabilidade.
O meu corpo protesta contra os funcionários.
A economia determina as relações afectivas.
A economia determina as minhas acções.
O meu corpo é a minha acção.
Não tenho medo da pobreza.
A minha economia determina o meu protesto.
É impossível uma relação com aqueles que nunca tiveram na vida consciência de ruína e de pobreza.
Impossível.
A ausência de consciência de ruína e de pobreza defrauda-me completamente.
Por isso protesto. O meu corpo é o meu protesto.
A pobreza é tão indesejável como a mediania.
A raiva faz-me delirar.
Que fazer para evitar esta raiva aqui dentro?
Só protesto.
O meu corpo é o meu protesto
O meu corpo é a minha acção.
A minha vida é a minha acção.
Não quero ter filhos.
Porquê?
Talvez por raiva, esta raiva, aqui dentro.
Está sempre prestes a começar uma guerra.
O mundo é maravilhoso.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

da ordem dos super conselhos...

Você deveria tentar esquecer isso!

Da ordem do inevitável:

E enquanto você me deslia: meu cabelo secou. minha grana acabou. o gato pulou. o cigarro apagou. o copo derramou. o celular tocou. a vista embaçou e o corpo pediu. o sangue estancou. o livro fechou. a cama desarrumou. a tv pifou e o corpo pediu. o microondas escangalhou. passou pela porta, tropeçou. no tapete, derrapou. na sala, gritou e o corpo pediu. a maquiagem borrou. o computador travou. nas horas, congelou. minha fonte esgotou e o corpo pediu. o vestido rasgou. o armário entortou. no espelho, lançou. comprimidos tomou e o corpo pediu. o ipod ligou. ao som se dançou. pelo chão, desfilou. a coluna esticou e o corpo pediu. na cozinha, preparou. com a boca, abocanhou. com os dentes, estraçalhou. com o organismo, empacotou e o corpo pediu. no chuveiro rolou. na água quente, cantou. com a toalha, encenou e o corpo pediu. no corredor, amarrou. o cabelo, pintou. a roupa, desamarrotou e o corpo pediu. com a família, sonhou. por seus santos, rezou. pelos amigos suplicou e o corpo pediu. na rua, apanhou. o joelho, machucou. o rosto transformou e o corpo pediu. o carro comprou. pelo telefone, avisou. em sua nova casa, buscou e o corpo pediu. no engarrafamento, trepou. camisinha estourou. retrovisor se danou e o corpo pediu. o homem, pegou. a mulher, desdenhou. o sexo latejou e o corpo pediu. casaca virou. para os outros, gritou. sua voz aumentou e o corpo pediu. na avenida, parou. diziam todos, pirou. burburinho findou. nu, chorou. a chance acabou. amar, sabe que amou. o corpo pediu.

Da ordem dos super conselhos:

"Em casa falo como se fala em casa."

Beatriz Bracher

desler

deixar de ler
não deixar de te olhar nos olhos, mas
deixar de olhar nos olhos aquilo que eles anseiam por ser
lidos

deixar de completar o princípio
deixar a pele magoada
por sobre a inscrição
"magoo-me facilmente"

deixar de ler o que opera diante de ti
e avançar mesmo assim
do tipo tenho dor,
mas você aguenta.

deixar de ler
e convertar a conversão via soco
via brutalidade
via vitória virtuosa da violência

desler

eu deslia a TV
nisso, eu desli VOCÊ
que diante da televisão ligada
deslia a minha atenção
e me requisitava sobre a cama
já por nós deslida
já por nós magoada

cama por nós substituída
deslida
despropositada
desfeita a cama
desfeita o nosso acordo
desfeita, naquela noite, a nossa estrada
...

o que você deslê
o que você deslia
o que é você é desleitura
em outras palavras
o que você apatiza?

ai, oi, ohs, vendaval.

a questão é que eu nunca sei quando o que eu sinto é um ai ou é aí. o onde. se é em mim ou se é em ti. se quando ai dói aqui, dói também aí em ti? a dor é minha não é de mais ninguém. a dor não é minha, só é de todo alguém (que não eu). ai, que difícil acentuar a questão. que difícil versar sobre a gravidade, sobre a gravidez, sobre essa sobriedade embriagada da moral.

ai, oi, ohs, vendaval. essa interjeição que diz tudo menos amor. essa interjeição que grita e consome e confunde precipício com princípio que confunde ardência com ardor. ai, ohs, oi, a dor?

cada um escreve de uma forma essa mesma experiência. esse mesmo estado. essa mesma impaciência. sabe? uns ficam mais tempo quietos, calados. outros escrevem, outros gritam, outros procriam a dor e fazem da dor novo salto. salto alto. salto aí. sobre isso, sobre ti, sobre mim, sobre os dois. ai, aí, feijão com arroz já não faz tanto sentido. aí, a fome da carne é de novo o princípio. e cá estamos nós outra vez diante do precipício...

rol das palavras inevitáveis (aquelas capazes de matar e salvar, at the same time)

1. fica! do verbo ficar no imperativo
...

domingo, 15 de novembro de 2009

FICA AI

fica ai. fica. fica ai.

Fica ai porque não adianta voltar. voltar não significa recomeçar se é isso que você espera. fica ai porque recomeçar não significa estar de volta. Fica ai! Fica ai porque eu acho que a gente não se entendeu ainda. Fica ai porque eu preciso me observar com mais calma antes de tentar recomeçar. Fica ai porque você é homem e eu sou mulher. Fica ai mais um pouquinho, porque se você chegar perto eu não sei o que pode acontecer. Fica ai, não vai buscar o controle. Olha, ele fica mais bonito entre os carros no meio da rua. Fica ai que eu preciso arrumar a CASA antes. Fica ai porque daí eu não não escuto sua voz e posso lembrar dela como eu quiser. Fica ai porque seu cheiro invade meu espaço. Fica ai porque eu não enchi balões suficientes. Fica ai porque não temos uma música ainda. Fica ai porque quando estamos perto achamos que já estamos próximos o suficiente. MENTIRA! Fica ai porque já tá todo mundo solto e se você chegar perto eu posso cair. Fica ai porque quando você vem sem avisar a surpresa é maior do que eu posso aquentar. Eu vou morrer. Fica ai mas volta antes que eu consiga escrever 5.000 caracteres. Fica ai mas quando vier vem correndo. Fica ai porque não sei ainda se sua força vai ser suficiente pra me segurar. Fica ai porque não posso aquentar você indo embora depois. Fica ai pra eu poder receber uma carta sua. Fica ai mais não demora tempo suficiente pra receber uma carta dizendo que eu morri.

sábado, 14 de novembro de 2009

Tudo porque eu não tenho mais forças. Eu não consigo mais. Eu to parada faz um tempo , sem sair daqui . Parada sem esperar nada. Eu digo ,eu não tenho mais força. Luz ou escuro já me são indiferentes. É tudo assim , estavél e mutavél ao mesmo tempo. Eu não sei se estou à frente ou se ainda não cheguei ai , onde todos chegaram. Eu realmente não sei... Só digo , so, mais uma vez sozinha , que não aguento. A minha pele já esta toda rachada , minha respiração ainda tem dificuldade de respirar e não é problema de saúde, é cansaço , só. Mentira , tem um pouco de solidão, e excesso de palavras escutadas e ordem para obedecer e coisas para gritar. Mas tudo se resume no vazio que fica quando a gente não sai do lugar.

Os olhos abrem sem vitalidade e a mão digita automaticamente , mais uma vez, no mesmo teclado , no memso quarto das paredes esverdeadas.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Deslia a tv porque...

Desliga a tv porque faz mais de uma hora que ela está ligada. Já faz mais de uma hora que a tv está ligada e você nem olhou para o que está passando. Aposto que não sabe nem em que canal está. Desliga a tv porque não é ela que vai lhe fazer compania. Sentir-se acompanhado só porque algo está fazendo barulho é o mesmo que estar sozinho. Você pode, por favor, desligar a tv porque eu não aguento mais olhar para cara desta mulher. Gente, é só você pegar o controle que está do seu lado. Meu Deus, você não vai me fazer levantar, vai? Desliga a tv porque eu quero conversar. Nós precisamos conversar. Eu posso lhe passar todos os informes sobre o dia depois. Desliga a tv porque durante o jantar a gente já não se fala mais. De manhã acho que nem olhar nos olhamos. Percebo que você não está mais em casa quando ouço a tranca da porta. Desliga a tv porque eu preciso lhe dizer que despedi a empregada. Que estamos passando por momentos difíceis e que, talvez, você precise largar o inglês. Que tem uma inflitração enorme no banheiro e a vizinha de cima só falta me estrangular quando esbarro com ela no elevador. Você sabe que eu mudei o horário de fazer o supermercado só para não cruzar com ela? É evidente que você não sabe. Ah, estamos também sem internet e o telefone vai ser cortado a qualquer momento. Tudo que está na geladeira eu comprei fiado, mas não vou fazer mais isso. A máquina de lavar pifou ontem e eu não consegui pedir a vizinha da frente que lavasse o seu terno. A sua mãe ligou e disse que vem no fim de semana. Deixa vir... Ela vai adorar encontrar a CASA desse jeito. Desliga a tv e liga para a merda da sua mãe e diz para ela não vir! E se ela perguntar o porque...se ela perguntar... Você diz que, diz que eu pirei. isso. que eu pirei e só quero vê-la no natal. Diz que as minhas unhas não estão bem feitas e que... isso, peça que ela espere mais um pouco. Só faltam cinco meses para o natal. Tenho certeza que ela pode suportar. Desliga a tv porque eu não suporto quando você me deixa falando com as paredes. Desliga a tv porque se você não desligar eu vou ter de fazer isso por você. por nós. Desliga porque já perdeu a graça, sabe? Toda noite a mesma coisa. Olha, eu vou lhe dizer uma coisa, só mais uma: desliga essa tv porque se não eu vou me atirar pela janela. Não. não! não! Agora. Anda, desliga! Desliga essa tv porque eu preciso saber que você ainda tem um pingo de respeito por mim. Querido, eu não aguento mais ver este comercial sobre ter a merda de um toque de celular especial, com o seu nome. Desliga a tv porque eu vou começar a gritar. Vou chamar pelos vizinhos. Eu to pirada, hein. E depois não diga que eu não te avisei.

- um copo com água.
- sete cigarros.
- um trident
- uma barra de ceral ritter
- ventilador ligado
- óculos em cima da mesa
- bolsa no meio do caminho
- telefone ocupado
- pia lotada
- controle de televisão - isolado no meio da rua.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Apagão.

Me violenta saber o quanto dependemos de nossas próprias invenções. Faltou luz. Ficou tudo escuro. Eu tive um medo enorme de ir para CASA.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

O óbvio me violenta

Como é com o sol
Como é com o soco
Como é também com a pena
Como com o nojo
Como com algemas
Como é também com irmãos
que não se aguentam

Como é com o tiro
Como é quando alguém silencia
e o tempo nisso se esvái
pesando mais e mais
a cada lapso
a cada medo contido
a cada desejo segredado

É óbvio
como o que se faz à pele:
eterno desgastar.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Eu calei porque...

Eu calei porque nós não brigamos mais. Calei pra te ouvir, calei porque você me ouviu tanto a ponto de me entender. É que eu me calo quando estou feliz. Eu que tanto falo me calo pra mostrar felicidade. Não reclamo em silêncio, não faço luto, meu silêncio é sempre felicidade. Minha reserva é falada, então calo pra te mostrar meu amor. Eu calei porque não preciso mais gritar que é pra você se preocupar comigo, você já sabe. E eu me calo de orgulho. Eu calei porque na cama o silêncio se faz necessário. Eu calei porque você me calou com um beijo quando outra discussão estava prestes a começar. Eu calei porque você me orgulha a cada dia que passa. Eu calei porque prefiro escrever. Prefiro te dizer em palavras o quanto quero que essa paz silenciosa dure pra sempre. Ainda que pra sempre seja um silêncio na minha boca. Eu calei porque vi que quando mais te amo é em silêncio, que você é mais lindo em silêncio. Eu calei porque prendi a respiração quando te vi do outro lado da rua, me esperando em silêncio. Fiz silêncio em tua homenagem, parei de respirar em sua homenagem. Você anda merecendo meu silêncio mais puro. Eu calei porque essa é a minha maior forma de sacrifício. Eu calei porque meus gemidos nunca serão suficientes, eu calei porque minhas palavras nunca serão suficientes, eu calei porque meus clichês nunca serão suficientes. Eu calei porque você me pediu silêncio em silêncio. Eu calei para você calar também. Abri a boca para chegar até você e me calando num soluço descobri: você me disse mais coisas que qualquer palavra poderia dizer.

Rosa, a Estela.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Eu calei porque...

Eu calei porque exatamente naquele momento a porta se abriu. Eu calei porque com a porta aberta nada mais fez sentido. [conseguimos manter a porta fechada durante anos]. Então, lhe pregunto: todo o nosso esforço foi em vão? Eu calei porque com a porta aberta vejo que fomos obrigados a esmagar nossa relação, pois nos preocupamos demais com coisas pequenas. Eu calei porque ao ver a porta aberta percebi que nunca soubemos dar valor ao todo. Eu calei porque percebi que todas as nossas brigas sempre foram pequenas perto do "nosso amor". Mas só percebi isso agora e, agora, o agora já é tarde demais. Eu calei porque com a porta aberta não tenho mais como lhe prender dentro de casa. Com a porta aberta você está livre. Vai! Corra pelas ruas, grite, denuncie o cativeiro que fizemos de nossa própria "moradia". Vá aos jornais, exponha nossa história, não se esqueça dos detalhes: das surras de vassoura, dos copos quebrados, das fotos rasgadas, dos livros no chão e do cachorro latindo. Exponha nossa intimidade: fale de quando lhe gozei na cara e de quando me arranhou o corpo inteiro. Ah! Fale também das vezes em que andamos vendados, das velas que derreteu em meu peito. Fale de nossos vícios. Fale dos cigarros que apagamos em nossas mãos por preguiça de alcançar o cinzeiro. Fale de nosso corpo. Desenhe, principalmente o meu, por inteiro. Fale também do nosso sexo sujo, mas dele fale com amor e também de forma doce e irônica, pois você é PH em descrever as coisas desse modo. Conte a todos da redação sobre o dia de aniversário do nosso casamento. Conte também sobre como passamos a ter este animal de estimação que já citei nesta breve carta. Conte como escolhemos as tintas para pintar a CASA e também como fizemos para pintá-la. Você, com certeza, sabe do que eu estou falando. Quer dizer, não sei. Depois que a porta se abriu e eu me calei, acho que não posso dizer que lhe conheço. Fizemos um acordo, tínhamos um trato e você furou! Eu calei tampém por isso. Quando ouvi a porta abrindo, saquei que tudo aquilo que você havia me dito era, na verdade, a imagem que você criou para você. É uma boa imagem, hein? Confesso que caí direitinho, comprei tudo e nem se quer pedi nota fiscal. Ou seja, me calei por decepção. Eu calei porque eu odeio esse cachorro, mas não sou também capaz de botá-lo na rua ou dá-lo para alguém. Eu calei por isso, porra. Porque a porta abriu, você foi, mas a porra das suas coisas ficaram. E toda vez que eu tropeço nelas eu sou obrigado a, mais uma vez, calar. Eu não posso nem convidar outras mulheres para vir a CASA... A porra da sua alma, sei lá se isso existe, ainda mora aqui. Outro dia, eu calei quando no banheiro dei de cara com a sua calcinha pendurada na torneira do chuveiro. Não deve estar te fazendo falta, né? LIXO. Eu calei porque tomei a decisão de jogar tudo o que é seu e também tudo o que um dia chamamos de nosso no lixo. Eu calei, mas, na verdade, essa é a última vez que lhe escrevo e espero, do fundo do meu coração, que compreenda e não insista em manter contato. Eu calei e, por isso, resolvi escrever. Alguns informes: vou vender a CASA e tudo que tem dentro dela vai junto. Vou comprar uma CASA nova, só minha. Vou trocar de cidade, telefone, nome e sexo. Vou tomar 444 banhos para ver se consigo limpar a sujeira sua que ainda resta em mim. Vou também pintar o cabelo, fazer as unhas, comprar sapatos novos e também um novo par de óculos. Desde que você passou pela porta eu não vejo mais nada, pois os meus óculos você que havia comprado. LIXO. Vou escutar novos artistas, mudar de estilo. Vou levar o cachorro, mas agora ele tem outro nome e não me venha com essa história de "nosso filho" para cima de mim. O cão agora chama-se Resto e é a única lembrança que vou guardar de você. Eu calei porque também não tive coragem de ir lá fora, te buscar pelas mãos e pedir mais uma chance pra gente. Sou um covarde. Eu calei porque a porta abriu e você saiu correndo, sem olhar para trás.

Eu chorei porque...

Eu chorei porque dói quando não sai uma palavra dos meus dedos, eu chorei porque me violenta não sentir absolutamente nada que seja digno de se organizar em frases. Eu chorei porque às vezes choro pra ter tinta pra escrever. Eu chorei porque a minha tinta é diluída em lágrima. Eu chorei porque eu choro quando escrevo e dói, doi tanto pensar que talvez tudo isso seja em vão. Eu chorei porque essa dor sobe pela garganta e eu sinto vontade de gritar tudo isso que tenho a dizer, mas não consigo. É como se quando eu começasse a chorar o mundo todo tapasse os ouvidos e de nada me adiantaria gritar. Por isso escrevo. Não sei cantar, por isso escrevo. Não tenho coragem pra gritar, por isso escrevo. Não tenho coragem de amar, por isso escrevo, Não tenho vontade de andar, de fazer, de chutar nada, por isso escrevo. Eu chorei porque eu só sei escrever e isso é tão difícil que choro toda vez que faço. Eu chorei porque eu nunca tenho motivos, mas ainda assim as palavras vem na minha cabeça como se fossem explodir a qualquer momento. Eu chorei porque não tenho medo de balas perdidas, mas sim de palavras. Eu chorei porque um dia eu não tinha caneta, no outro não tinha papel e se um dia eu não tiver mais palavras? Eu chorei porque sonhei que minhas mãos derretiam. Me deixem surda, me deixem muda, mas não me deixem sem minhas mãos. Eu chorei porque minha mãe tem problema de vista e se eu fico cega vou chorar. Eu chorei porque meus livros crescem cada dia mais, mas não cresce em mim a minha vontade de que o meu esteja na sua estante. Eu chorei porque quando me falta amor eu escrevo, quando me sobra amor eu escrevo, quando me dão amor eu escrevo, quando eu sinto saudade eu escrevo. Mas escrever dói. Eu chorei porque descobri que o que me dói não é o amor e sim a vontade de escrever. Eu chorei porque entendi que na verdade, o que me dói é nunca ter o que dizer e me sentir estuprada por isso que sai de mim sem o menor controle. Eu chorei porque muita gente nunca me entendeu, nem acreditou. Eu chorei porque eu li alguma coisa que dizia sobre papéis em branco e quartos vazios. Toda vez que escrevo é como se eu tivesse um quarto cheio de coisas que não consigo enxergar. Eu chorei porque fiquei meses, anos sem dizer uma só palavara e ainda assim não aprendi a cantar. EU chorei porque as frases dos outros se amontoam em mim e eu não consigo escrever. Eu chorei porque me sacudiram e só o que sobrou no fundo do pote foram palavras. Eu sobrei porque queria desenhar e não escrever. Eu chorei porque queria amar e não escrever. Eu chorei porque eu queria andar e não escrever. Eu chorei porque só queria pensar, sem escrever. Eu chorei porque de verdade, eu juro, dói, dói demais sentir essas coisas que . Essas coisas que. Exatamente elas que me fazem chorar. Eu chorei porque toda vez que as lágrimas escorrem elas me dizem alguma coisa. Eu chorei porque quanto mais turvos meus olhos mais claras ficam as minhas palavras.

Rosa, a Estela.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Eu gritei porque...

Eu gritei porque falar não foi suficiente. Porque foi, e ainda é preciso, saber que você cresceu e de coelho se transformou em girafa. Eu gritei porque nessa troca, sem aviso prévio, você passou a ocupar um espaço enorme dentro de mim. Agora você está aqui dentro e eu não posso mais reclamar do vazio. Agora você está aqui dentro e as coisas estão parecendo completas. Mas não. Eu gritei para tentar trazer você comigo, na verdade. Eu gritei, pois juntos invertemos a ordem normal das coisas. Ou seja, agora que você está aqui dentro já não é mais preciso parir. é que você nasceu antes da concepção. nasceu assim, no susto, sabe? Eu gritei porque quando vi você transbordar por meus pequeninos furos, nada pude fazer ou pensar. Eu gritei para externar a dor que agora sinto. Eu gritei porque falar não foi suficiente. Porque agora estou pesada, gerando um filho que nunca mais vou tocar, ninar beijar, amar fisicamente. Eu gritei na hora de ir embora, descendo daquele ônibus gelado em buscado do calor do seu abraço. Eu gritei por mais esse laço. E, embora acredite em frutos verdes, estou sem graça de comer-lhe o último pedaço. Eu gritei porque estou grávida de algo que já esta na escola. de algo que já pensa, lê, formula questões e, mais para frente, vai também se questionar se do meio se vai para frente ou para trás. Eu gritei porque estou grávida do jardim zoológico e dentro de mim não há espaço para tantas jaulas e gaiolas. Mas você está aqui. Tomando meu ar, minha comida, meu suco gástrico. Ás vezes, em ruas muito movimentadas, você chuta. Eu sei, já compreendes o perigo, separando o seguro do ameaçador. Eu gritei porque agora que estou gorda de você vou precisar entrar em regime de dieta. Eu gritei porque não quero emagrecer, mas será preciso. Pois tomei a decisão de lembrá-lo em doses pequenas. Não posso abortar mais uma história de amor.

domingo, 25 de outubro de 2009

eu calei porque...

porque acabou, mas na verdade eu não reconheço o fim, porque era bom estar com você todos os dias, bom respirar junto, suar junto, pensar junto, repensar. Porque repensei e achei melhor calar. Porque do nada as coisas acontecem e a gente nem percebe. Porque talvez tenha sido a semana mais rápida da minha vida e quando fui tomar o café vi que ele já tinha ficado para trás naquela tarde chuvosa. A música já estava decorada, o sorriso já estava na cabeça e as alegrias e os nervosismos já eram identificados com facilidade. Usei a calça dobrada de um jeito diferente naquele dia e só você reparou e quando vi estávamos brincando feito crianças de 2 anos de idade e só a gente achava isso bonito. Porque ninguém mais sabia falar desse jeito, só a gente. Porque se não estamos juntos acho melhor esquecer. Porque na verdade tudo que fizemos foi gritar, melhor calar por um tempo então e ficar assim com vocês, no silêncio, é difícil e fácil, bonito e feio, alegre e triste e talvez necessário, não se sabe de fato nada.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Eu calei porque...

Não consegui ser sincero. Calei porque o contrário seria te ofender e isso eu não quero. Eu calei porque dentro eu ainda reverbero. E ficar quieto, engasgado, me faz estar vivo, ainda pulsando, ainda não todo desesperado. Eu calei porque não tinha nada a dizer. Calei porque não era a minha vez. Calei de novo porque tive dúvidas. Calei porque não sabia se podia ou não depois de tudo o que aconteceu. Calei por medo, calei pela camisinha rompida, pela morte abrupta, pelo medo - novamente - de se aproximar sozinho daquela esquina. Calei nos seus cabelos, calei nas suas rimas. Eu calei sempre e toda vez que alguém me chamou de menina. Calei nos degraus, calei nos calos. Calei hoje e sempre aos pedaços, com medo de ver que sim, podemos ser esmagados. Eu calei porque não falava aquela língua, eu calei porque as sobrancelhas se ergueram. Calei porque as testas enrrugaram. Porque as mãos se contorceram e mesmo sem ver, eu ouvi, todos os dedos juntos estalaram. Calei porque queria um silêncio. Calei inda mais porque o silêncio ficou pesado. E silêncio pesado não é silêncio, é culpa. Calei por culpado. Calei por te mandar calar a boca. Calei por falta de ar. Calei por superoxigenação. Calei por medo de altura. Calei por resignação. Por concordância. Por discriminação. Eu calei porque se falasse sairia de mim meu coração. Num pulo, eu calei, porque é o que fazem os seres quando inseguros. Não é? Calar para evitar um terremoto. Para evitar um acesso. Calar para evitar um colapso.

Violenta no MoLa 2009 - Mostra Livre de Artes

Dia : 30/10/09

21h50m - Pacotão videoarte 3:

Título: Violenta entre quatro paredes
Gênero: videoarte
Duração: 6’07’’

Sinopse: O tema se desdobra na abstração de imagens criadas com o objetivo de refletir sobre sensações interiores causadas pelo estado de violência, do pós.

Exibição do produto A.

http://www.circovoador.com.br/mola2009/
http://mola2009.blogspot.com/

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

crítica sobre a performance: Violenta-entre 4 paredes-segunda etapa-interação dos atores com produto A gerando produto B

"Violenta entre quatro paredes é uma violência "à seco". Em seu estado puro, no que tem de mais essencial e fugidio.
Uma violência tão pura, que é capaz de surgir dos atos menos impensáveis. Das manifestações mais sinceras de carinho (abraços afetuosos), dos movimentos mais inusitados (auto-agressão), dos pedidos corriqueiros de silêncio (todo o mundo já ouviu um 'psiiiii' inconveniente).
Uma performance jovem, com atores no auge de seu fôlego, no clímax de seus corpos, que mesmo com toda a sua jovialidade já foram, são e serão, como todos nós, violentados.

Palavras, pedidos, histórias que violentam. Tudo na vida pode nos violentar! E a arte da performance sempre violenta nossa vida cotidiana.

Uma performance em processo, processo de amadurecimento, de endurecimento. As imagens primeiras (produto A), se misturaram violentamente, como não poderia deixar de ser, com a performance viva (formando o que será o produto B). Aqueles corpos jovens - violentados por abraços convulsivos, repetições alucianadas, palavras incisivas, silêncios impostos - num ritmo brutal e atual, acentuado pela ausência de trilha sonora, conseguiram interagir e dialogar com um ritmo brutal, mas virtual das imagens primeiras. Em um diálogo íntimo e espotâneo, atores se violentavam e eram violentados acompanhando e reafirmando um processo pelo qual já haviam passado. Vemos então passado e presente que se encontram, em um tempo puro, no tempo da vida, vida que é pura violência.

A performance se completou no "Meio". O meio da performance foi, na verdade, o final dela, pois este "Meio" violentou e matou a própria perfomance. A partir daí, deste ponto no meio do caminho, o ritmo que antes era convulsivo, violento, o tempo que antes era puro passou a ser sincrônico, progessivo. A perfomance que era dura, seca e impessoal se transformou em um teatro cômico e blando, quase um stand-up aonde os atores se individualizavam e competiam pela atenção do público, que já possuiam. Neste momento fui violentada. Me sentei no chão para não ver o fim cômico, quando poderia ser trágico, da performance que me violentava e me dava prazer.

Mas assim como a vida, a arte também nos violenta. O choque foi tamanho, que me levou a escrever esta breve crítica, pois como diria o grande poeta, que sofreu toda uma vida como "tísico profissional": sem choque não existe necessidade nenhuma de crítica. O choque da interrupção abrupta da performance, foi violento como um coito interrompido, como o último pedaço de papel higiênico do rolo, como a última carta que sempre desmorona o castelo. Mesmo violentada, espero pelo produto final deste trabalho em progesso, o momento em que a performance se juntará ao tempo virtual do vídeo, sendo atualizada no tempo real de uma instalação. Esperamos ansiosos por isso, pois já que não podemos evitar a violência que a vida e a arte nos impõe, tentemos, ao menos, obter algum prazer neste fluxo de sofrimento. Masoquismo, talvez? Por quê não?"

Marce.

sábado, 17 de outubro de 2009

Eu chorei porque ...

Eu chorei porque não sabia e por não saber eu fui indo. Eu chorei porque quando me olhei , eu já não era mais “ eu” , eu era um outro eu à quem eu não fui apresentada. Eu chorei porque eu ainda queria brincar de pique , mas fiquei menstruada. Porque desde lá há sempre sangue saindo de mim . Eu chorei porque assim as pessoas me entendem mais forte. Quando você sangra , as pessoas te entendem mais forte. Eu chorei porque eu fui obrigada a ser madura antes de saber o que isso significava. Eu chorei porque eu perdi sangue em algumas relações . Chorei porque em outras nem pele eu perdi e em outras mais nem saliva. Chorei porque eu ganhei . Chorei porque eu ganhei cansaço , astucia , maldade. Chorei porque eu aprendi a andar sem mãos dadas. Chorei quando eu pintei as unhas de vermelho. Chorei quando eu amei e quando eu não amei e quando eu transei e chorei por falta de gozo também. Chorei por ser engraçada demais. Chorei porque no espelho é difícil ver o que há por dentro do corpo. Chorei porque eu não vi a e decidiram por mim . Porque eu não falei que não, nem que sim ,e decidiram que eu aceitaria. Eu chorei porque eu fiquei bêbada e quase fui estuprada. Chorei porque eu própria me estuprei, me invadi , me virei em outra. Chorei por que eu não encontro o caminho de volta.

O nosso casamento me violenta ..

O Nosso casamento me violenta porque você é demais, você é em excesso. O nosso casamento me violenta porque você não me deixa dúvidas , você não olha pros lados , não olha pra trás , você não se olha. Me violenta porque você se olha demais e só se vê vivo comigo. ME Violenta . Por falta, falta de briga , de rasgos , de sangue, falta de lençol suado, de cortes, falta de pratos quebrados , falta de cacos ...O nosso casamento me violenta porque a gente se ama demais , esse nosso amor é tão compreensível , e o que eu precisava era não compreender nada por alguns instantes, eu precisava não saber que você me é inteiro fidelidade . Me violenta porque eu preciso de certas incertezas pra sair do lugar. Me violenta sua falta de criatividade, no sexo , na cozinha , na conversa . Porque você já escreveu em todo o meu corpo , em todas as partes , e eu não tenho coragem de te apagar de mim . ME violenta porque você não me risca , só me escreve em versos, me acha poesia . Me violenta porque eu queria ir .. mas não consigo , não sei partir com sua mão em mim . ME violenta porque a sua mão me faz lembrar das coisas que eu perdi , e do que eu poderia ter sido sem você. Me violenta porque eu não tive coragem de ser nada que te pudesse ferir, me violenta porque você chora sempre e eu tenho que engolir à seco o que você diz. Porque tenho que te entender antes de entender à mim . Porque você é frágil e não enxerga que eu sou mais ainda, porque você me ama e eu mais ainda ...... Porque eu sempre puxo o lençol ... O nosso casamento me violenta porque você é incapaz de puxar o lençol de volta e me deixar sentir frio. Me violenta porque quando me falta ar eu respiro o seu.

Eu sobrei porque ..

Eu sobrei porque às vezes eu não respiro direito , e quando eu não respiro direito , minhas vias aéreas entopem. Sobrei porque eu tenho sinusite , e eu fico sem ar toda vez que a casa “tá” empoeira. Eu sobrei porque sem ar eu não consigo abrir os olhos direito , e não consigo ver o que é verdade . Eu não consigo ver outros olhos. Eu fico embaçada. Eu sobrei ´porque sou embaçada , não consigo sem límpida , porque sempre tem um vestígio de algo que nunca se anula em mim . Eu sobrei porque eu não queria me anular , mas foi isso que eu dei a entender. Porque eu não me entendi mais. Eu sobrei porque eu sou entupida , embaçada e meus sentidos todos são frágeis. Porque eu não consegui ver que alguém chegava também , que alguém chorava também e ria. Eu sobrei . Sobrei porque eu fico tentando eliminar as coisas através de espirros ao invés de gritar qualquer verdade. Porque eu não sei cantar , e então eu danço calada. Porque meu corpo ta paralisando , de tanta poeira acumulada, e há um ano que eu espirro tentando ser verdadeira. Sobrei porque meu corpo inteiro é sobra , é catarro querendo ser espirrado , não tinha outra maneira . O que é acumulo é sobra também. Eu sou toda acumulo , e sobra , e eu sobrei ....

Eu sobrei porque ...

Eu sobrei porque eu falei pra você sobre medo. O meu medo de sobrar. Sobrei porque meus seios sobram na suas mãos e no sutein , eles sempre sobram. Eu sobrei porque quando eu olhei pra trás eu percebi que tinha outro corpo mais marcado do que eu . Eu sobrei quando percebi que não éramos mais um numero par , e com impar sempre um sobra. Sobrei porque tive medo de ser par de alguém. Sobrei porque você parou de escrever em mim , me deixou com frases inacabadas. Sobrei esperando um final feliz , mas não tem . Nem feliz, não tem final. Eu sobrei porque achei que meu sorriso era símbolo da minha segurança e não do meu medo de sobrar. Mas ele é medo. Eu sobrei porque temi ser julgada. Sobrei na tentativa de não tremer. Sobrei porque fiquei vendo há distancia tudo que acontecia enquanto eu me protegia. Eu sobrei porque quando eu abri a porta, o chão me tocou de forma estranha e eu não consegui entender o que aquele lugar me dizia. Eu sobrei porque não sabia que haveria buracos , e outros milhares de corpos , e escritas... sobrei procurando a caneta pra terminar suas frases inacabadas em mim.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

porque talvez seja só uma tentativa. Vou te ligar.

Porque eu não consegui fazer nada. Me ajuda? Porque as perguntas se confundem com o bom dia, porque continuamos dividindo nossas solidões e mesmo quando percebemos que ela vai se esgotando aos pouquinhos, mesmo assim continuamos. Porque sempre achei melhor que ficasse do jeito que tá. tanto faz na verdade. Na verdade começou a doer e depois passou, eu esqueci e só consigo lembrar quando não tento. Parece maior que eu. Porque as palavras me escapam de vez em quando e não consigo acompanhar. As consequencias são eternas, eu sei. Ouvi dizer. Começa assim: Entendeu? Vou tentar explicar melhor. Como era mesmo o nome? Eu esqueci...desculpa. Porque na verdade a surpresa foi maior que eu. Não vou mais crescer. Quando eu vi nunca tinha estado lá. E descobri que antes não sabia o que era a beleza. O que era estar com alguém. Nunca havia estado, eu acho. Não me lembro. Você pode me ligar? Obrigado. Vou ficar esperando. Tá!?

Discussão na mesa do jantar - parte 2.


Eu sobrei porque...

eu sou rica! Porque estudei em Cambridge, porque falo francês, inglês, mandarim, espanhol e português. Porque não posso falar das minhas conquistas para não parecer arrogante. Eu sobrei porque a minha riqueza ofende as pessoas. Porque fiz mestrado em Havard, porque tenho passaporte europeu, porque ganhei prêmios, porque tenho os olhos claros e nunca fiz escova progressiva, porque sou magra de ruim, porque meus dentes são brancos e porque nunca precisei usar aparelho, porque sou jovem. Sobrei porque tenho berço, porque não sou classe média. Porque o preço da Osklen não me afeta, porque não conheço o verbo parcelar. Porque sou simples, respeito as pessoas e tenho dinheiro.

Eu sobrei porque...

eu sou gorda! Porque não posso usar roupas de lycra, porque preciso comprar dois assentos e cinco barras de chocolate garoto para viajar. Porque por mais que eu emagreça ainda vai sobrar muita pele, como uma lona murcha de circo, e essa lona murcha vai me lembrar o meu tamanho de elefante, porque tamanho é um documento que não se perde. Eu sobrei por falta de aspartame e excesso de açúcar. Eu sobrei porque dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola, picles e um pão com gergelim. Eu sobrei porque não sou simpática como todo gordo beijoqueiro. Porque preciso chamar atenção pela minha inteligência e não pela minha beleza.

Nosso casamento me violenta...

por excesso de intimidade, porque quando te pedi sinceridade você jogou as verdades mais cruéis na minha cara e eu não soube o que fazer com elas, porque você faz barulho quando mastiga, porque você come carne de porco e eu sou vegetariana, porque só se tem um grande amor na vida e eu gastei o meu com você. Me violenta a depressão, as noites, as lágrimas e os quilos perdidos. Saber que acabou e ainda assim continua. Sua bissexualidade, sua feiúra e sua beleza me violentam.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Qual é a embriaguez de VIOLENTA?

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8.

Da Psicologia do Artista. Para que haja a arte, para que haja uma ação e uma visualização estéticas é incontornável uma precondição fisiológica: a embriaguez. A embriaguez precisa ter elevado primeiramente a excitabilidade de toda a máquina: senão não se chega à arte. Todos os modos mais diversamente condicionados da embriaguez ainda possuem a força para isso: antes de tudo, a embriaguez da excitação sexual, a mais antiga e originária forma da embriaguez. Da mesma forma, a embriaguez que nasce como conseqüência de todo grande empenho do desejo, de toda e qualquer afeto intenso; a embriaguez da festa, do combate, dos atos de bravura, da vitória, de todo e qualquer movimento extremo; a embriaguez da crueldade; a embriaguez na destruição; a embriaguez sob certas influências metereológicas, por exemplo a embriaguez primaveril; ou sob a influência dos narcóticos; por fim, a embriaguez da vontade, a embriaguez de uma vontade acumulada e dilatada. - O essencial na embriaguez é o sentimento de elevação da força e de plenitude. A partir deste sentimento nos entregamos às coisas, as obrigamos a nos tornar, as violentamos. – Denomina-se esse evento como uma idealização. Desprendamo-nos aqui de um preconceito: o idealizar não consiste, como geralmente se pensa, em uma subtração e uma dedução disto que é pequeno e secundário. O que é decisivo é muito mais uma monstruosa exaltação dos traços principais, de modo que os outros traços pertinentes se dissipam.


9.

Neste estado, tudo se enriquece a partir de sua própria plenitude: o que se vê, o que se quer, se vê dilatado, cerrado, forte, sobrecarregado com a força. O homem que se encontra nesse estado transforma as coisas até elas refletirem sua potência: até elas serem o reflexo de sua perfeição. Este ter de transformar em algo perfeito é - arte. Tudo mesmo o que ele não é, vem-a-ser apesar disto para ele prazer em si; na arte, o homem goza de si mesmo enquanto perfeição. [...]

"


Trecho do capítulo INCURSÕES DE UM EXTEMPORÂNEO, integrante do livro CREPÚSCULO DOS ÍDOLOS de F. NIETZSCHE. Grifos meus.

apropriação de...

... poemas e prosas da pasta rosa de ana c. + imagem postada em discussão na mesa do jantar

antes de ontem deu discussão na mesa do jantar. de novo. acho que a gente entendeu, não sei como, que a mesa de jantar é lugar de discussão e não de jantar. acho que ninguém comeu nada. a comida também estava fria. além disso, tinha uma cadeira virada. a outra sentou no chão, disse não vou levantar não fui eu quem deixou ela no chão. a outra, ainda mais indignada, começou a mexer nos talheres como se pudesse descontar neles o seu desespero. eu não falei nada, acho que nem estava na sala, porque não fui eu que coloquei a cadeira no chão, virada, impedida de ser cadeira. a mesa estava posta, mas quem foi que colocou a mesa, quer dizer, a cadeira no chão? quem foi que deixou ela virada? assim não dava para ter jantar. a gente se olhou, meio pausadamente. era como se olhássemos cada um para um parente morto sentado à mesa e depois, apenas depois, tivéssemos a medida de que sim, estávamos sozinhos. quer dizer, que sim, éramos apenas os três. depois disso a outra voltou a se emburrar. achei que fosse por causa da comida fria, mas não era culpa de ninguém. a comida esfriou porque não amamos o pão nosso de cada dia, por isso. não era culpa de ninguém. mas confesso. dava um silêncio entre a gente (entre os parentes mortos sentados à mesa) e todos voltávamos à questão. pode falar foi você? não fui eu você sabe que não fui eu qual é o problema em não sabermos quem foi? o peso dos parentes mortos fez todo sentido. nos olhamos. entre nós os avós todos os primos. tudo falecido na hora do jantar ganhava vida. talvez por causa disso a comida fria. talvez por causa disso os talheres intocados. talher de ferro é mais frio. talvez por causa disso permaneceram limpos, todos os guardanapos.

Nosso casamento me violenta...

Porque nosso casamento não me violenta tanto quanto deveria violentar. Nossa casamento me violenta porque não vira capa de revista, porque não vira manchete de jornal. Nosso casamento me violenta porque vira apenas o leite sobre a toalha limpa na mesa, porque vira a página, porque vira sempre acostumar-se. Me violenta porque você demora a escovar os dentes. Porque você quer que eu seja como você e porque eu quero que você seja eu. Me violenta porque a tampa do vaso está sempre levantada e eu não tenho motivo para reclamar. Me violenta porque você me faz descongelar a geladeira. Me violenta o nosso casamento porque sempre se faz algo em troca de algo mais. E eu estou sempre devendo. Me violenta porque as flores de casa morreram. Porque as frutas acabaram. Porque tem comida azeda dentro da geladeira e nenhum dos dois faz nada. Me violenta porque é nosso, foi a gente que quis, a gente que fez, a culpa é nossa, mas parece ser de outro alguém. Porque suas roupas íntimas ficam atrás da geladeira. Porque minhas roupas íntimas querem ficar atrás da geladeira. Me violenta porque a casa não comporta nós dois. Me violenta o farelo de pão sobre o chão. Me violenta os pedaços de unha, os fios de cabelo, a sua ausência. Nosso casamento me violenta porque a felicidade me assusta. Então me violenta porque eu tenho medo de me assustar. Nas pequenas coisas, nosso casamento me violenta, como nos copos colocados no lugar errado. Como na janela mal fechada. Nas grandes coisas como mudar a ordem dos móveis da sala. Nosso casamento me violenta porque não temos um fogão. Porque a nossa fome destrói tudo, tudo consome e me violenta porque a gente não se come. Nosso casamento me violenta porque somos repetitivos porque eu te digo tantos porquês e a sua cara é sempre a mesma, é sempre aquele maldito sorriso. Que me violenta, porque eu amo mesmo assim. Me violenta porque acho que confundimos amor com violência. Me violenta porque acho sempre que os nomes estão trocados. Me violenta porque você corrige o meu português e me diz violenta-me quando dói em mim, por isso o me antes do violentado. Nosso casamento me violenta porque casamento me violenta, mas você capturou minha liberdade. Me violenta porque eu não sei ser pleno, talvez eu precise mesmo desse atrito, dessa troca, dessa dúvida, dessa coisa toda assim assumidamente torta. Acho que o nosso casamento me violenta porque eu não conseguiria viver sem ele. E no dia que eu conseguir isso, será provavelmente porque eu estarei morrendo.

Trecho da carta: Do fundo do coração, ou Love, Love, Love

"Um lento Não. Um claro Não. Um seguro Não. Um límpido Não. Um tranquilo Não. Um sem dúvida alguma Não. Um sem-volta Não. Um para-sempre Não. Um negativo Não. Um afirmativo Não. Repete, pedi. (...). The reencontro: quando dei por mim estava dizendo as coisas mais duras e agressivas e cruéis e impiedosas e injustas e ferinas e baixas e grossas que uma pessoa pode dizer à outra."

Caio Fernando Abreu

Discussão na mesa do jantar.


Poemas e prosas da pasta rosa de Ana C.

24 de maio de 1976

"Discussão na mesa do jantar. Assunto, o vazamento que molhou o corredor. Mamãe acha que o papai é um mole.Papai pergunta por que ela mesma não vai tratar do assunto. Não dizem tudo o que pensam. Mamãe mandou atapetar quando papai viajava, surpresa. Há silêncio, curiosidade de saber o desenlace. Mamãe diz que projetou o filme para mais duas turmas. Papai diz que queria tanto tocar órgão, ensaia, dedilha no ar. Pergunta de mamãe se ele já terminou o trabalho da Bloch? Ânimos serenados pela tática de mútuos redesvios. Depois do jantar os homens descolam o tapete com ferramentas. Todos participam do alagamento. Escrevo in loco, sem literatura. Hoje li nos avulsos de Machado: regras para andar de bonds. Muita atenção a escarros, cuspes, catarros e perdigotos."

- da categoria dos PRONTOS, mas regeitados
Ana Cristina Cesar

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Dói envelhecer




Papel higiênico

DÓI tudo. dói a distância. dói meu intestino grosso. DÓI receber seus postais de tão longe e perceber o quão longe você está. dói a cabeça porque dói a LEMBRANÇA. dói as pernas quando eu corro e dói ainda mais quando eu não chego. dói eu não sentir o que eu sentia por você. dói os dentes quando eu mastigo meu café da manhã sem graça. dói meu dedo quando não tenho para quem ligar. dói meu olho porque não tenho para onde olhar. DÓI A TATUAGEM QUE EU NUNCA FIZ. dói respirar. dói quando toca aquela música: your just too good to be true, I can't take my eyes of you. dói a IMAGINAÇÃO pois imagino tudo o que não vai acontecer. dói o futuro. dói o passado. dói o tempo que passa e não volta. não volta. não volta. não volta. não volta. DÓI O PREÇO DA OSKLEN. dói fritura. dói o 1 centavo de troco. dói 1h30 minutos para chegar. dói 1h30 minutos para voltar. dói 3 HORAS TODOS OS DIAS. dói não ouvir a sua voz. dói a fumaça do CIGARRO que eu não tive o prazer de fumar para ficar com a pele mais bonita. dói a beleza no interior da minha vagina. e dói minha unha no interior da minha boca. dói quando eu ligo a TELEVISÃO. dói o cheiro do 212. dói mulheres de aparelho dentário. dói quando eu caio nas TAXINHAS . dói quando alguém me diz: "Nada é por acaso", "Deus fechou uma porta mais abriu uma janela". dói os pêlos do meu corpo ao captar a sua presença infâme. dói cada gaveta que eu abro. dói no meu pé. dói no meu nariz. e dói na minha bunda. INDIFERENÇA dói. dói noites em claro e dias sombrios. dói esquecer o que eu tinha pra falar. dói falar o que não era pra eu dizer.

The decapitator


Eu chorei porque...

Sempre que eu tento chorar eu não consigo. E nesta última tarde, eu nem tinha pensado nisso quando o meu olhar pesou o mundo inteiro e desde esse segundo eu me permiti ser rio e não barranco, ser curso e não bueiro. Porque eu quis e quero e queria inundar. Sabe, afogar você mesmo nisso tudo que quer te tomar? Porque todas aquelas perguntas eram insuspeitas, mas a coincidência era demais, como eu poderia acreditar que alguém me perguntava dos meus amigos por perguntar, assim, como quem não quer nada, assim, como quem pergunta por interesse e não porque queria dizer que um deles havia acabado de morrer.

Chorei porque nesse dia eu entendi o que era o vazio. Porque nesse dia eu percebi que carregava ele dentro, que era meu, era meu corpo doendo incontido. Porque perder alguém é ter que se perder também. Vai-se um pouco em cada partida. Por isso hoje eu odeio tanto ter que dar adeus, mas eu dissimulo, sacudo as mãos diferente, para não ser efetivamente um tchau, uma despedida. Porque eu tive que lembrar de tudo que foi último. De tudo nosso que havia sido a última vez. O último abraço, as últimas palavras, os últimos tempos, os últimos sonhos compartilhados, as últimas coisas que foram tão triviais, porque não sabiam - ainda - que seriam algum fim.

Chorei porque morrendo você eu vi você indo e eu indo atrás, por extensão, por ser tão próximo, por sermos tão jovens, por sermos mais que amigos, chorei porque não encontrei forças para te segurar e dizer FICA! Chorei porque te vi inúmeras outras vezes, passando por mim em trocentas esquinas. Mas não, chorei porque depois que te vi não te vi. Chorei porque pedi aparece, pedi em silêncio, dá um sinal, e nada. Chorei porque me convenci que você estava aqui, perto, me vendo, me guiando, mas porque eu fora obrigado a não te ver, não te tocar. Chorei porque naquele dia entrei na farmácia e fui mexer nos cremes para cabelo. E achei o seu. E fechei os olhos e cherei seu cheiro. E chorei porque abri os olhos e vi que agora ele podia ser de qualquer um, menos de você outra vez.

Chorei porque durante muito tempo você me foi choro. Como se quisessem (quem?) compensar a alegria que foi viver você, que foi estar junto, viver junto, juntos crescer. Poxa, chorei como agora vou me dissipando, porque eu não queria que fosse assim. Chorei pelo desastre, pelo susto, pelo baque, pelas coisas que eu teimo em dizer poderíamos ter consertado, ah... Chorei porque sequei. Chorei porque vi fotos. E ontem vi de novo. E chorei porque a dor não é só minha. E quem talvez leia isso aqui vai pensar que você é outro alguém que não você. E ao saber disso eu vou chorar, dentro, em silêncio, porque vou perceber como o mundo é feito das mesmas dores, e cores, tão rubro, seus cabelos, que nunca mais vi outra vez...

Devia ter roubado um pedaço seu. Para ter trazido junto comigo, sabe? Devia ter gravado a sua voz, para colocar nesta noite e dormir sonhando, repetindo, sonhando, repetindo... Devia tanta coisa que não sei se devo. E se hoje eu chorei é porque o passado ainda está inteiro. Quase todo, faltando você. Mas está aqui, me fazendo saber por tudo aquilo que passei. O que fui. Devia ter te roubado. Te algemado e inventado tudo de novo. Chorei porque quis me culpar para ver se nisso algo se consertaria, mas não. Porque você deixou uma carta. E eu estou nela. Chorei porque você me pediu desculpas, mas não durou mais tempo sequer para que eu te desculpasse.

Mas eu o fiz, certo? Eu estava lá até o último segundinho. Até ver a terra cobrindo você, você virando túmulo. E chorei, como outras vezes, e chorei como se quisesse dizer de outra forma como dói tudo isso como amamos e como amar por vezes é precipício... Eu chorei. Porque descobri que quanto mais se ama mais se pede para chorar. Eu choro. Porque eu ainda não aprendi a não amar. E vou chorar. Por você, por mim e por todos os outros que inda vamos afagar...

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Nosso casamento me violenta porque...

ento me Nosso casamento me violenta porque, desde de pequena, fui ensinada a acreditar em você. Nosso casamento me violenta porque, desde pequena, eles me diziam que quando eu estivesse com você, ao seu lado, tudo estaria em paz. Nosso casamento me violenta porque você está em todos os lugares, mas nunca está comigo. Nosso casamento me violenta porque, ao contrário de todos os outros, em você eu não vi abrigo. Nosso casamento me violenta nas formas em que você se justifica e expande sua doutrina. Nosso casamento me violenta porque em sua casa eu não me sinto seguro. Nosso casamento me violenta porque nunca podemos ficar a sós. Nosso casamento me violenta porque não temos privacidade. É isso. Me violenta porque quando te vejo minha vontade se perde e meu mundo se transforma. Porque perco minha trajetória até então estabelecida e me certifico que com você não posso subir o elevador. Pois subiria sozinha. Nosso casamento me violenta porque você sempre prefere se fazer invisível. Me violenta porque todos chamam seu nome e eu já nem sei mais se sou tua. Me violenta porque quando você tira a minha roupa, meu corpo se abre por inteiro. Porque me vejo nua ao seu lado e você nada diz ou faz. Me violenta porque, ás vezes, você se cansa rápido demais. Nosso casamento me violenta porque ao seu lado eu não posso ser puta. Me violenta sua extrema necessidade pelo sublime, sua admiração pela pureza e simplicidade. Me violenta porque quando estou ao seu lado sei que está pensando nela. Maria Madalena. Me violenta porque posso me envolver com mais de mil pesares e nenhum deles fará sentido para você. Nosso casamento me violenta porque acreditando em você eu perdi o juízo e, depois disso, nada mais tem cor. Nosso casamento me violenta porque nele todas as alegrias terminam em dor. Nosso casamento me violenta porque nessa brincadeira de acreditar eu pirei e, ás vezes, acho que sou você e você sou eu. Me violenta porque dentro do meu guarda-roupas não vejo mais o manto seu. Nosso casamento me violenta porque as pessoas gostam demais de você e não fazem idéia do quanto você pode ser rude, cruel. Me violenta sua imagem, ali parada, crucificada. Nosso casamento me violenta porque desde o dia que você anunciou morrer por mim eu não parei de chorar. Me violenta porque meu choro foi de alívio por não precisar mais lhe suportar. Me violenta porque no dia em que você se foi, minha vida começou a acordar.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

eu chorei porque eu queria tanto, mas tanto

eu chorei porque apesar de você estar de manhã do meu lado era difícil te tocar, porque quando eu cheguei em casa o gato tinha derrubado o copo de vidro cheio de água dentro e você não enxugou e nem catou os cacos, porque a planta tinha morrido, porque o livro de cabeceira estava na gaveta, porque tinha pó dentro do armário, porque as crianças estavam com as blusas ao contrário, porque liguei pro telefone errado pra te avisar que precisava tirar o café da geladeira, porque quando falei com você no telefone não falei o que tinha que falar, porque marquei um encontro sábado e apareci domingo, porque passei a sombra na boca, porque acendi o cigarro ao contrário, porque coloquei açucar no seu café e tinha que colocar adoçante, porque você já tinha me avisado, mas eu esqueci, porque lembrei que Hitler tinha governado na primeira guerra mundial, porque ao invés de enxugar suas lágrimas fiz você chorar um pouco mais, porque tinha que pagar 15 reais e só tinha 50, porque comprei nossos ingressos adiantados e perdi, porque quando você queria lembrar qual era o seu cheiro eu esqueci, porque queria cantar uma música pra você e só me vinha na cabeça a que ouvi no rádio antes de chegar em casa, porque eu pintei, ai, meu deus, eu pintem, pintei sim, a parede errada, e ainda por cima pintei de rosa e esqueci que era a cor que você menos gosta. Porque escrevi uma carta pra São Paulo e mandei pro Japão. Porque eu te contei um segredo que não era pra te contar. Porque enchi balões de todas as cores, fiz um bolo e acendi uma vela no dia do seu aniversário, mas era o dia errado. Porque corri pra te beijar mas só te abracei. Porque na hora de ir pra casa fui parar na sua casa. Porque eu queria tanto te elogiar, tanto ,mas tanto que eu falei que seu corte de cabelo estava um pouco torto. Porque cheguei em casa e te disse bom dia!? Porque eu estou tentando. Eu estou tentando...sim, acertar sem ter que colocar as coisas no lugar.