terça-feira, 29 de setembro de 2009

Eu sobrei porque...

Em plena tarde ensolarada eu tomo café, quente. Porque hoje, com essa chuva escorrida no vento, eu saio de casa todo cru, sem guarda-chuva, sem descontentamento. Eu porque acredito no diálogo. Porque acredito que você é assim porque foi assim gerado e não o contrário. Eu porque a sinceridade às vezes me invade e me destrói e depois dela é sempre tarde para refazer alguns passos, refazer escolhas ou mesmo desfazer desejos consumados. Eu porque só durmo eu no meu quarto. Isso ajuda a ficar assim entregue às coisas da casa, aos cafés fora de hora, aos papéis, às memórias. Eu porque isso me devora e me devorando me digere e me renova. Eu porque assim eu sou novo eu a todo instante, eu sou novo porque eu... Porque não tive medo de dizer, eu gosto daquilo que só eu pareço gostar. Mas não pode ser. Alguém também deve gostar disso que eu gosto. Alguém também deve, mas como não vejo, traduz-se que sobram mais pessoas que se sobrassem juntas seriam algo mais forte, algo tipo prece, que flui calada na boca de uma multidão crente e apavorada. Eu porque se não fosse eu não sobraria nada. Eu porque se não fosse eu este silêncio de agora sequer teria graça, sequer teria peso, silêncio sem esse resto que silencia não significa nada. Eu porque penso no significado e me afundo em respostas para dizer tudo aquilo que mais tarde já não me importa. Porque desanimo e quero ficar parado, seguro no segundo, incapaz de mover. Porque eu argumento até mesmo a favor de algo que não contemple meu querer. Porque eu falo e falando eu me perco de você, como se quanto mais palavras mais distante eu ficasse de entender. Eu sobro porque ser resto é parte da equação do viver. Porque a conta exata é sem graça, é íngrime, escorregadia, equivocada. Eu sobro porque dizimo periódico. Eu sobro porque haverá sempre um 33,3333333333... Porque ainda há um café que me afague. Um cigarro que me confunde. Uma insulina que me faz ser parte ainda da constelação deste universo. Eu sobro porque em silêncio eu também protesto. Eu sobro porque desconfio, às vezes, que tudo o que eu quero, é ser resto, detesto, abjeto, inconcreto, ser ruína, ser silêncio, ser presença - em marca d'água - sobra, obra, perverso, motivo algum para um verso. Motivo algum para qualquer outra coisa... Incluindo a borra no fundo da xícara do peixe azulado.

Nenhum comentário: